quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Repetitório

Tudo está bem.

Olho pela janela. Lá em baixo acompanho o movimento dos carros. Minha amada está dormindo depois de uma noite regada de suor e desejo. Ainda sinto em minha boca o seu gosto, e no chão, a bagunça do quarto contrasta com o que penso dos sentimentos em meu coração: Estou certo, estou seguro, estou feliz.

Vou-me embora e deixo um bilhete de amor... junto, o meu sonho. Entro na dura realidade de um mundo pequeno e que me sufoca. Meus vícios me corroem aos poucos, e também aos poucos vou me sentindo cada vez menor, preso, sugado e nulo.

Tudo é questão de valores, mas também de atitude. A paixão, quando pouco regada, nos cega por conta de pseudo-adrenalinas e outras substâncias bem menos aprazíveis. Tudo fica abstrato, e o simples se torna complicado. Palavras duras saem da boca como se fossem sais querendo ser doces. Não são.

Quando você acorda – porque um dia você acorda! – percebe seus erros e nem sempre é possível voltar atrás. Recomeçar é algo que não existe (é impossível recomeçar algo, pois sempre será outra coisa por mais parecido que pareça). A alma feminina tem mistérios escondidos que desafiam a sensibilidade do mais puro dos homens. O macho se fere por conta da sua quase auto-suficiência.

Tudo volta a ficar bem. Volto pra casa. Minha amada está na cozinha preparando algo para comermos. Faço um elogio, e dou um beijo tímido em sua boca. Sinto-me excitado por um momento, e um “eu te amo” me sai sem querer, acompanhado pela minha monótona respiração. Silêncio. Comida pronta.

Conto meu dia, meus problemas (como são grandes esses meus problemas!) e irradio "segurança sem conforto". Mão na mão, sofá, TV. Silêncio. Boa noite no jornal. Cito Drummond: Repetitório.

O cachorro latiu. O gato roubou o resto da comida e lá fora um som de sirene ecoa pela rua oposta à nossa prisão que chamamos de casa. Ela me beija suave, mente que “sou tua”. Um último adeus. Amanhã o tempo muda.

Mudou. Sono. Tristeza. Solidão. Mais suor... E acabou.

Outro dia. Olho pela janela o movimento dos carros, mas nem sei se são os mesmos de ontem. Minha amada se foi. Olho para a sua foto olhando para a câmera com um semblante triste. Estava a pouco deitada em nossa cama, e vestida apenas pelo lençol naquele dia ensolarado de verão. Foi a última vez que a vi assim.

5 comentários:

Guará Matos disse...

De novo aqui pra deixar um abraço de bom seguidor.

Pensamentos... Voam.

LyRodrigues disse...

Que lindo

Alias, como sempre

Bnatm

Catiaho Reflexod'Alma disse...

Lindo dia Lupo.
Bjins e um pouco de
musica ....

Admito que Perdi

Álbum: Contrasenso

(Paulinho Moska) Sony Music

Se você não suporta mais tanta realidade
Se tudo tanto faz, nada tem finalidade
Então pra quê viver comigo?

Eu não vou ficar pra ver nossa ponte incendiada
Nossa igreja destruída, nossa estrada rachada
Pela grande explosão que pode acontecer no nosso abrigo

Olhei pro amanhã e não gostei do que vi
Sonhos são como deuses
Quando não se acredita neles, deixam de existir
Lutei por sua alma, mas admito que perdi

E agora vou me perder nesse planeta conhecido
Intuir novos mistérios que ficaram escondidos
Naquelas palavras marcadas na sua carta de Adeus

Olhei pro amanhã e não gostei do que vi
Sonhos são como deuses
Quando não se acredita neles, deixam de existir
Lutei por sua alma, mas... admito que perdi

Talles Azigon disse...

e essa narrativa que é cheia de noite e silêncio, imprimindo alma no que escreve?

Maria Helena disse...

Meu querido amigo,
Já posso considerá-lo assim porque cada vez que sinto a sua presença, através do que você escreve e do que comenta no meu blog, eu sinto uma emoção no coração compatível com a que sinto quando estou com meus moelhores amigos.
Você é comovente porque utiliza as tintas do coração quando escreve e quando entra em contato com o ser humano.
Sinto que você é daquelas pessoas que quando chegam em qualquer ambiente o torna mais iluminado com a sua presença.
Você tem a capacidade de mudar o meu dia,e acho que também o das pessoas que estão ao seu redor, com seu comentário, com sua presença e com suas composições.
Muito obrigada por um dia ter seguido uma trilha que o levou até o meu blog. Não quero perder o seu contato,certo?
Um abração do tamanho do infinito.

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